Por Celso Lorachi.
Também chamado de quarto evangelho, ficou esquecido durante algum tempo por ser um pouco diferente dos três outros. Desde o século III, a tradição da Igreja reconhece que é João o autor do quarto evangelho; o “discípulo que Jesus amava” (Jo 13,23-26; 16,26-27).
O objetivo do evangelho está bem claro na sua primeira conclusão: “Jesus fez, diante de seus discípulos, muitos outros sinais ainda, que não se acham escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para crerdes que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida eterna em seu nome” (Jo 20,30-31).
A primeira parte do evangelho de João é chamada “Livro dos Sinais”. “Sinais” em João significam os milagres que confirmam a missão de Jesus, o Enviado de Deus. Estes sinais compreendem as Bodas de Caná (Jo 2,1-11), cura de um enfermo na piscina de Betesda (Jo 5,1-18), multiplicação dos pães (Jo 6,1-15), ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-44), e outros.
Os sinais são quase sempre complementados por discursos para evidenciar a força da Palavra de Jesus que é a encarnação da Palavra do Pai. O principal objetivo dos sinais é dar glória a Deus e levar a fé em Jesus, seu Filho, Enviado para realizar a obra do Pai.
A segunda parte do evangelho é uma realização e plenificação da primeira: é chegada a “hora”. Jesus revela o verdadeiro rosto de Deus, que é amor. “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
Esta segunda parte compreende três sessões. A primeira sessão compreende os capítulos 13 a 17, na qual a comunidade faz memória oral e escrita de seu líder, além da reunião de despedida: o lava-pés (Jo 13,1-30). Jesus deixa o novo mandamento do amor mútuo (Jo 13,34s), promete o Paráclito Espírito da Verdade (Jo 14,26; 16,12-15) e reza ao Pai pela unidade (Jo 17).
A segunda sessão é o relato da Paixão, nos capítulos 18 e 19. Esta parte culmina com uma última palavra de Jesus: “Tudo está consumado” (Jo 19,30).
Uma terceira sessão apresenta as cenas da Ressurreição (Jo 20). Jesus dá a Maria Madalena um envio: “Vai aos meus irmãos e dize-lhes que subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17).
O prólogo (Jo 1,1-18) e o epílogo (Jo 21,1-25) foram acrescentados mais tarde ao evangelho, constituindo sua moldura.
Prólogo como porta de entrada do evangelho
No início do evangelho, encontramos as mesmas palavras do Gênesis: “No princípio”. Com isso somos chamados a fazer uma releitura da Bíblia a partir dos sinais da presença de Deus na história do seu povo. A chave dessa releitura é o próprio Jesus Cristo: “A Palavra se fez carne e fez sua tenda no meio de nós” (Jo 1,14).
Atenção ao simbolismo
O autor atribui valor simbólico aos personagens (cego de nascença é representante da comunidade joanina), números (o homem paralítico há 38 anos é uma referência à Dt 2,14) e circunstâncias (os cinco maridos referidos no diálogo com a samaritana simbolizam os deuses dos cinco povos pagãos forçados a migrar para a Samaria).
O programa dos Sinais
O evangelho de João chama de sinais alguns dos milagres atribuídos a Jesus pelos evangelhos sinóticos e acrescenta outros, que fazem parte de seu programa de revelação e manifestação de Deus, o Pai. Em Jo 2,4, Jesus avisa: “Minha hora ainda não chegou”, e o autor complementa: “Este é o princípio dos sinais” (Jo 2,11), criando a expectativa de manifestação de novos sinais.
A hora
Os sinais só são compreendidos na perspectiva da hora de Jesus, que se aproxima porque Ele é fiel ao Pai que quer a vida para todos. Jesus passa pela “crise”, sente-se conturbado diante dela (Jo 12,23-24) mas, unido ao Pai, assume livremente essa hora de entrega da própria vida (Jo 15,13). A hora de Jesus é a hora de sua morte-glorificação, para que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10;3,16).
“Eu sou”
Jesus se auto-apresenta com o mesmo nome de JHWH: “EU SOU” (cf Ex 3,14). Ele é o Deus conosco: Eu sou o pão da vida (Jo 6,35), Eu sou a luz do mundo (Jo 8,12), Eu sou o bom pastor (Jo 10,11), Eu sou a ressurreição e a vida (Jo 11,25). Assim, somos convidados a entrar no evangelho de João com a mesma atitude de Moisés diante da sarça ardente: com despojamento e muita escuta de Deus que se manifesta nos sinais do nosso tempo. Ele é o Deus surpreendente que caminha e faz história conosco.