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Precônio Pascal

O termo precônio, vem do latim, prae-conium, e significa anúncio ou proclamação solene de um acontecimento importante, feito diante da comunidade. Também chamado Exsultet porque é a primeira palavra desse hino e se traduz por, alegre-se, exulte. É um hino antiquíssimo, dos primeiros séculos, citado e inspirado em vários Santos Padres como Ambrósio, Jerônimo e Agostinho. A vigília pascal foi sempre considerada a mãe de todas as vigílias e o coração do Ano litúrgico

No estilo do prefácio da missa começa convidando as forças celestes e terrestres, o universo, a Igreja e o povo a tomar parte nesta intensa manifestação de alegria: “Exultem de alegria a multidão dos anjos… exultem as assembleias celestes… ressoem hinos de glória… rejubile a terra… alegre-se a Igreja… ressoem as aclamações do povo”.

O primeiro motivo de tanto júbilo é a solene festa da Páscoa, a gloriosa ressurreição do Filho: “Cristo, que quebrando as cadeias da morte, se levanta vitorioso”. Esta santíssima vigília quer perpetuar esta nova realidade plena de vida e ressurreição. A Igreja já não lamenta nem chora a morte do cordeiro, mas proclama sua definitiva vida agora ressuscitada. O pano branco sobre a cruz desnuda afirma ao mundo que aquele que ali se deixou crucificar está para sempre vivo e trazendo vida e paz a todos que nele creem.O Pai entrou no reino da morte e resgatou seu filho restituindo-o à vida. Ele traz as chagas da crucifixão, antes sinais de ignomínia e humilhação, agora troféus de vitória e ressurreição.

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A Igreja celebra nesta noite a misericórdia de Deus Pai por ter enviado o seu Filho ao mundo. O mistério da encarnação foi concebido no coração amoroso do Pai: “para resgatar o escravo, entregastes o Filho”. O Cristo saldou a antiga culpa. O mal causado por Adão foi lavado no sangue do Cordeiro. A anistia total é oferecida gratuitamente à humanidade. O mistério da redenção, consumado na imolação da divina vítima, consagrou para sempre os filhos de Deus. Cristo rompe os grilhões da morte e resgata das suas garras os filhos que a ela estavam presos desde a queda de Adão.

Entre aclamações de júbilo incontido a Igreja canta nesta noite a retumbante libertação que o povo hebreu conseguiu ao escapar do cativeiro do Egito. Mas a verdadeira e necessária libertação foi aquela que arrancou da escravidão do pecado e da corrupção do mundo todos os que acreditam em Cristo. Os filhos da Igreja reunidos da dispersão em que viviam, superados os liames do egoísmo e da não convivência, formam agora o novo povo de Deus, a comunhão dos Santos. Reunidos na festa da comunhão fraterna eles cantam nesta noite bendita a vida que circula neste corpo, a unidade construída pela presença do cordeiro imolado agora vivo e ressuscitado. O evento celebrado nesta noite inaugura a nova humanidade, recria o homem, feito nova criatura.

Foi vencido o reino da morte, da escravidão e do pecado. As trevas foram espancadas para sempre do coração dos filhos. É noite no tempo externo, mas brilha luminosa luz no interior do templo e dos corações. Banidas as trevas, acendeu-se a luz que nunca mais se apagará. Por isso a Igreja canta repetidas vezes como um mantra: “esta é a noite” em que renasce a vida, a esperança, a libertação. É a noite mais clara que a luz do meio dia. É a noite em que os olhos não enxergam, mas o espírito é inundado de luz. “A noite brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz”. É a noite em que são superadas as trevas do crime, do ódio, da tristeza. Do sepulcro vazio nasce uma grande luz, que traz indizível alegria, que constrói a concórdia e a paz e restabelece a justiça. Nesta noite única rompe-se o véu da separação, supera-se a distância, o céu e a terra se reencontram, Deus e o homem voltam a formar a grande família dos bem-aventurados. Noite bendita em que os resgatados permanecem em longa vigília para serem testemunhas do momento supremo da ressurreição de Cristo. A coluna luminosa, como aquela que guiou o povo no deserto, entra no templo escuro iluminando-o com a sua luz resplandecente. O Cristo vivo simbolizado no círio pascal invade o mundo em trevas como brilhante sol.

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A Igreja reconhece que a ressurreição de Cristo supera o próprio fato da criação. O dom que nos faz o Pai entregando seu único Filho como Redentor compensa largamente a iniquidade do pecado. Por isso nesta noite chega a afirmar que pecado foi necessário para termos tão grande Redentor. E faz uma afirmação surpreendente e paradoxal: “Oh feliz culpa”. Sem justificar o pecado, cancelado nesta noite, a Igreja celebra nesta solene liturgia a imensidão da misericórdia divina graças ao pecado. Quase a dizer que foi bom ter acontecido porque sem ele Deus não teria a oportunidade de revelar-se em toda a grandeza do seu amor. A perversidade do mal, a estupidez da desobediência de Adão ficam obscurecidas pela luz resplandecente que nasceu no escuro da noite vinda do túmulo vazio, prodigiosamente aberto pela mão do Pai.

A solidão em que foi precipitada a humanidade pelo primeiro pecado está agora habitada pelo próprio Filho de Deus. Desceu da sua divindade, fez-se um de nós para poder imolar-se e estar sempre conosco. A Ele incorporados, filhos no Filho, somos levados ao Pai na festa da reconciliação que vence o isolamento construído pelo orgulho humano.

Termina esse belíssimo hino com esta admirável oração: “Nós vos pedimos que o Senhor brilhe ainda quando se levantar o astro da manhã, aquele astro que não tem ocaso: Jesus Cristo vosso Filho, que, ressuscitando de entre os mortos, iluminou o gênero humano com a sua luz e vive glorioso pelos séculos dos séculos.