Pular para o conteúdo

São Lourenço de Brindes – Padroeiro da Província

São Lourenço de Brindes – Padroeiro da Província

Comemoramos, no dia 22 de Julho, a memória de São Lourenço de Brindes.

Para nós, Irmãos Menores Capuchinhos, São Lourenço de Brindes é o que São Boaventura foi nos primeiros tempos da Ordem dos Irmãos Menores: o sábio, o Superior modelo, o homem de confiança dos Papas.

Figura multifacetada, sintetiza em si mesmo toda a glória do franciscanismo: como Santo António e São Bernardino; capelão dos exércitos como São João Capistrano e São Tiago da Marca; polemista temível com os hereges, apóstolo e diplomata. Encontrámo-lo em todos os caminhos da Europa e, onde quer que se encontre, tudo sabe¬rá desempenhar com competência, quer nas Academias e cortes, quer nos acampamentos militares e tribunais. No entanto, apesar de andar por muitas e tormentosas mansões, permanece sempre o homem do claustro e o homem de Deus, o servidor dos seus religiosos, o pai de pulso firme e salutar que exorta os seus diletos filhos, especialmente com o exemplo, a viver a sério, na austeridade, a sua vocação. Saberá harmonizar a sua incansável atividade, quase universal, com uma contínua vida contemplativa. Humilde, penitente e fervoroso, enfim, um verdadeiro discípulo de São Francisco, paradigma de todas as virtudes.

Nasceu em Brindes a 22 de Julho de 1559. Puseram-lhe o nome de Júlio César Rossi. E pela sua especial inclinação ao bem e às coisas de Deus, era apelidado de «Uangioletto». Aos 4 anos a sua educação é confiada aos Padres Conventuais, que lhe vestem um hábito encantador.

Por altura do Natal, todas as crianças recitavam, em honra do Menino, um pequenino sermão, na igreja. Chega a sua vez… e sobe ao púlpito. Tem apenas 6 anos. Os pais ficam admirados, pois o seu pequenino filho fala com tanto ardor e unção, que a todos comove. Continua os estudos nos Conventuais, com grande aproveitamento. Recebe então uma dolorosa notícia: A morte de seu pai, com todas as sua ulteriores consequências. Seria capaz a inconsolável viúva de viver por mais tempo separada de seu filhinho que, junto dela, lhe seria de grande ajuda e conforto?

Por este motivo, com pouco mais de 12 anos, pensou em transferir-se para Veneza para a casa de um tio sacerdote. Terá de mudar, é certo, o hábito religioso pela veste talar, mas ao menos poderá dedicar-se com serenidade à própria formação intelectual e moral.

Já então o seu estilo de vida era austero e rigoroso: trazia no seu corpo um cilício, disciplinava-se todas as noites; jejuava três vezes por semana. A sua comida era a habitual: pão, legumes e água. A oração era contínua, acompanhada de êxtases.

Em Veneza, sob a orientação de seu tio, que era, na verdade, um sábio educador, encontrou um verdadeiro amigo num estudante da sua idade e da sua índole. Iam sem¬pre juntos à igreja dos Padres Jesuítas, que era a igreja das suas devoções matutinas; de tarde, corriam à igreja dos Capuchinhos para ouvir a Palavra de Deus.

Foi aqui que a voz de Deus o venceu. O Provincial que era um santo, convidara-o a dormir no convento. De fato, parecia-lhe estar com os anjos, quando, no silêncio da noite, tomava parte, espontaneamente, na oração da Matinas. E os dois grandes amigos fizeram-se frades. Júlio César passa a ser Frei Lourenço; o seu amigo, Frei André Fez o Noviciado em Verona. Foi um noviço de eleição piedoso, modesto e mortificado, o mais observante de todos; simples como uma criança, puro como um anjo.

Vai depois para Pádua a fim de estudar Filosofia e Teologia. Encara os estudos, sobretudo a Sagrada Escritura, com grande dedicação e empenho. Aprende o hebraico, o siro-caldeu, o grego. Contacta com insignes estudiosos de outras nações, aprendendo o francês, o espanhol, o alemão. É um verdadeiro prodígio de sabedoria.

Tem agora 22 anos, mas ainda não é sacerdote; com dispensa, recebe o encargo de pregar em Veneza. Foi um êxito inaudito e as conversões retumbantes.

Celebra a primeira Missa aos 25 anos: era, ao mesmo tempo, um anjo e um serafim. Que tarefas lhe iriam confiar agora os Superiores?

É nomeado Lente de Teologia e de Sagrada Escritura em Veneza. Mas a Ordem e o Mundo queriam-no mais perto de si: Chovem as dignidades. É nomeado Guardião, depois Provincial da Toscana, depois Provincial de Veneza e seguidamente Conselheiro Geral. A Ordem tem os olhos postos nele.

A sua doutrina, a sua sabedoria e a sua virtude grangeiam a admiração do Santo Padre, que lhe confia uma missão de grande responsabilidade: a conversão dos judeus. Empenha-se totalmente. E dirige-lhes a palavra tanto em Roma como noutros lugares.

Apresenta-se sempre no púlpito com a Bíblia em hebraico, e lê-lhes as passagens referentes ao Messias; depois explica, demonstra, ilustra e faz-lhes; ver que todas as profecias se cumpriram plenamente em Jesus de Nazaré. Muitos abriram os olhos e abraçaram o. Cristianismo.

A seguir, uma segunda e mais espinhosa missão: a da Alemanha contra os Protestantes. «Que escolhesse entre os seus confrades tantos Missionários quantos precisasse e que partisse o mais rápido possível». Está na flor da idade: 40 anos. Põe-se a caminho e chega a Viena a 28 de Agosto. Deixa aqui 6 missionários; e com os restantes dirige-se a Praga. Difícil campo os aguarda. Os hereges espiam-lhe os passos.

Certa ocasião, atravessa com os companheiros de missão a ponte de Carlos IV sobre o rio Moldávia e é assaltado por um grupo de criminosos. Os pobres Capuchinhos são maltratados, atirados ao chão e cobertos de pontapés. E para ali ficam desamparados e sem qualquer socorro. Difícil campo, na verdade! Finalmente, após grandes dificuldades, o padre Lourenço tem a alegria de fundar um convento na Baixa Alemanha.

Mas não faltaram contratempos por toda a parte. Também o imperador Rudolfo, já então favorável aos Capuchinhos, se torna suspeito: medroso, desconfiado, supersticioso, perdia o tempo em investigações astronômicas e sofria da influência do famoso Tycho Brahé. Este, mais amigo dos Protestantes, ia incutindo no espírito do crédulo soberano a ideia de que os missionários católicos tinham vindo para a sua ruína: «Tinha-o lido, diria ele, nas estrelas». Mas, porque na corte, os Religiosos também encontravam defensores, o pobre príncipe passava, ora por momentos de calma, ora por assomos de cólera. Tanto dava ordens de prisão, rapidamente canceladas, como fazia violentas ameaças de represália, que logo retirava.

Quantas vezes o padre Lourenço tinha procurado e tentado abrir-se com o imperador para lhe mostrar a sua retidão e a dos companheiros. Mas tudo em vão, em virtude das intrigas urdidas por aquele embusteiro. Entretanto, novos e gravíssimos acontecimentos reclamavam a sua presença noutros lugares. Deflagrara a guerra contra os Turcos. Era preciso partir depressa de Viena e chegar à Hungria invadida.

Nomeado chefe dos Capelães militares, todos eles Capuchinhos, foi fácil a São Lourenço conquistar a benevolência, a confiança e a estima de vários príncipes, especialmente de Maximiliano de Baviera que, por mais de uma vez, se declarará feliz por ter tido a subida honra de lhe poder ajudar à Missa. Era grande a desvantagem entre os dois exércitos em luta: 20 000 contra 100 000. No entanto, o homem de Deus com o seu conselho e com a sua palavra encorajante infunde nas tropas imperiais a certeza da vitória. É extraordinário vê-lo, durante 5 dias, a cavalo, com o Crucifixo, diante e no meio dos solda¬dos, a incitá-los à coragem. Num só dia caem, sob os seus pés, cinco cavalos.

Os turcos diziam estar diante de um fantasma. A dado momento parece arrastado pela força inimiga, mas um cava¬leiro salvou-o num golpe de mestria. Dois oficiais, apressadamente chegados, recomendam-lhe: «Padre, não é aqui o vosso lugar». — «Nem mais uma palavra, o meu lugar é aqui. Para a frente! Sempre para a frente»! E foi a vitória: a gloriosa vitória de Sthlweissembury (Alba Real) de 1601.

Aos 43 anos é eleito Ministro Geral da Ordem. Empreende, sempre a pé, a visita a todos os seus filhos que estão para lá dos Alpes: SUÍÇOS, Alemães, Espanhóis, Belgas, Franceses. Em toda a parte era esperado, venerado, e saíam ao seu encontro como se fosse um enviado de Deus. Para todos era «o Padre santo». No terceiro ano do seu governo (a duração de seis é posterior) visita as Províncias dos Capuchinhos da Itália. Incansável e infatigável, perfeito e aperfeiçoador!

Termina o Generalato e pensa retirar-se para Veneza, a fim de melhor poder cuidar de si, com a oração e o estudo.

Chega a Veneza já de noite, e sem avisar ninguém. Contudo, nas imediações do convento, uma multidão enorme o aguarda e aclama: «Viva o Padre Santo». Deus opera prodígios por seu intermédio. A capela de São João Batista é testemunha de sua intensa piedade. A pobre mesa do seu quarto tem a feliz sorte de ter sobre ela numerosíssimas folhas de papel que o padre Lourenço vai enchendo com prodigiosa sabedoria. E ainda continua a pregar: desloca-se a Mântua, ao sul de Itália, a Anversa. Anda cá e lá.

Entretanto é novamente enviado para a Missão da Alemanha. O Papa concede-lhe todas as faculdades: pode pregar onde quiser. Acordada uma trégua entre o imperador Rodolfo e o Sultão, pode agora virar-se, a tempo inteiro, para os Protestantes. Em Praga refuta magistralmente o arrogante luterano, Policarpo Laiser, e força-o a calar a boca.

Atrai, por isso, sobre si invejas e ódios. Um gentil homem jura tirar a vida ao formidável desmascarador das trapaças dos hereges. Informado, o padre Lourenço decide, mais o seu companheiro, ter com ele uma conversa pessoal. O porteiro, de libré, avisa o seu nobre patrão: «Dois esmoleiros Capuchinhos desejam falar com vossa senhoria». «Entrem». Estava à mesa com alguns amigos de várias confissões religiosas. O homem de Deus entra, cumprimenta humilde e calorosamente a todos, e saúda o nobre senhor ainda com mais amabilidade: «Haec mutatio dexterae excelsi». O padre Lourenço é convidado também a sentar-se. «É uma honra para mim: não queira insistir». Ao despedir-se, o gentil-homem põe-lhe nas mãos uma rica oferta e pede para o considerar, dali em diante, como benfeitor do convento.

Será bom recordar aqui os seus laboriosos e abençoados esforços, quando, sendo Núncio Apostólico, procurou levar por diante a «Liga Católica», a fim de se opor, para bem da Igreja, à «União» dos Protestantes.

Devemos ainda recordar a sua nomeação como Embaixador de Espanha, mas tudo isto levar-nos-ia muito longe.

Bastará saber que, totalmente empenhado no zelo pela glória de Deus, no exercício ativo de seus mais altos cargos, ainda encontrou tempo e maneira de evangelizar toda a Baviera, o Palatinado e muitas outras cidades do Império. Confirmava na fé os católicos, aceitava discussões com os hereges, para os iluminar e convencer dos seus erros, enfim, era um extraordinário farol da verdade e um baluar-te da defesa da Fé.

Regressado a Itália, suplicou ao Ministro Geral que não confirmasse a sua eleição para Provincial de Génova, pela simples razão de não poder visitar a pé todos os conventos (Deus tinha-o «mimoseado» com a artrite). O Geral transmitiu o pedido ao Sumo Pontífice Paulo V, o qual lhe respondeu que «andasse de cavalo ou de viatura; uma boa cabeça vale mais que duas pernas».
É a hora de nos perguntarmos: Como podia o padre Lourenço, não só conservar, mas até aumentar sempre o espírito religioso com uma vida tão cheia de trabalhos e de tanto apostolado? Tal força vinha-lhe de dois apoios divinos: o dom do sofrimento e o dom da piedade.

Estava ainda o pleno vigor da idade, quando foi acometido por ataques de gota, que de ano para ano se foram agravando até à sua santa morte. Não podia estar de pé e mal podia mover-se. Quando os ataques eram mais espasmódicos, costumava rezar: «O Senhor e a Virgem Maria sejam louvados.» Nem lamentos nem queixumes.
Mesmo durante os ataques da doença, com grande admiração dos médicos, celebrava a santa Missa em meia hora e, por vezes, em três quartos de hora. Nos últimos anos chegava a demorar duas, três e, com frequência, dez e doze horas.

Um dia, em Mônaco da Baviera, estando ele a celebrar a santa Missa já depois da meia-noite, o Irmão que o ajudava na celebração, vê, de repente, o oratório ilu¬minado como em pleno dia; levanta os olhos e vê um gracioso Menino, sorrindo-lhe com carinho e ternura.

Piedade filial para com Deus, e terna piedade para com a Mãe de Deus em todo o tempo e lugar.

Ainda estudante, a doença de peito, que o atormentara no Noviciado, atacou-o de tal modo que o médico lhe proibiu qualquer ocupação intelectual: «Seja feita a vontade de Deus». Por este motivo, foi transferido para Oderzo. Forçado a esta paragem, passava grande parte do dia e da noite diante de uma imagem da doce Virgem Maria, na igreja. Que será, que não será, um dia ouvem-no prorromper em suspiros a chorar como uma criança. Acorre o Superior e pergunta: «Que tens?» Responde: «Padre Guardião, deixai-me chorar! Choro de alegria: agora, neste momento, a boa Senhora curou-me».

E retomou os estudos. Desde então jejuava todos os sábados. Recomendava a todos o amor à Virgem Maria e, quando nela falava, Saint_Laurence_Brindisias lágrimas saltavam-lhe dos olhos. Nas viagens servia-lhe de conforto aquilo que, para ele, era uma verdadeira pérola de poesia, a canção «Aila Vergine» de Petrarca. Obtivera da Santa Sé o privilégio de celebrar todos os dias a Missa da Imaculada Conceição.

Frei Adão de Rovigo, seu fiel e íntimo companheiro, testemunhou que, uma noite, estando Frei Lourenço imerso em oração, divisou sobre a sua cabeça a Virgem Maria a abençoá-lo.

Quem o ajudou e apoiou nas variadíssimas tarefas em que andou empenhado, de modo a encontrar ainda tempo para escrever as magníficas obras que, hoje, temos a felicidade de ler e admirar?

Agora estava a chegar à meta final. Era já velho e, com o avanço da idade, os seus males agravaram-se. Mesmo assim, em 1618 recebe mais uma delicada missão de peregrinar pela Europa, pela última vez. Os Napolitanos estavam demasiado sobrecarregados de impostos. O padre Lourenço recebe a incumbência de se encontrar com Filipe III, a fim de obter a sua redução. Parte, cumpre a missão, mas já não regressará à sua pátria.

Adoece em Lisboa. E como já não pode celebrar, confessa-se e comunga todos os dias. Jaculatória habitual: «Glória a Deus e a Maria». Recebe o Viático e a Santa Unção. Todos choram. E chega a agonia. Na oração dos agonizantes, todos ouviam, à sua volta, invocar o nome de Jesus, que ele pronunciava em voz baixa e de cabeça inclinada.

O seu trânsito dá-se no dia 22 de Julho, precisamente no dia do seu aniversário natalício. E voou para o Céu. Era o ano de 1619.

A Europa inteira recorda-o. E todos os que o tinham conhecido, príncipes e povo, começam a render-lhe aquele culto que a Santa Igreja ratificou com a beatificação feita por Pio VI em 1783, e a canonização por Leão XIII a 8 de Dezembro de 1881.

Foi declarado Doutor da Igreja por João XXIII a 19 de Março de 1959, com o título de «Doutor Apostólico».

Fonte: capuchinhosprsc.org.br